Mais de três mil pessoas participaram entre os dias 21 e 24 de setembro do 2º Congresso Brasileiro de Trilhas de Longo Curso, em Niterói (RJ). Organizado pela Rede Brasileira de Trilhas, o evento contou com o apoio técnico do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Ministério do Turismo e debateu a criação de políticas públicas para as trilhas de longo curso no Brasil.
As trilhas de longo curso são aquelas percorridas com mochilas nas costas e funcionam como uma ferramenta importante para educação ambiental e promoção do turismo. O que pouca gente sabe é que elas também podem contribuir para a conservação da natureza e principalmente para a proteção da biodiversidade. Esses caminhos podem ser usados como estratégias para a conexão entre ambientes naturais que foram fragmentados por causas diversas, especialmente por atividades humanas, como grandes lavouras e urbanização. Desse modo, podem promover o estabelecimento de corredores para que a fauna possa transitar, ampliando condições de alimentação e de reprodução.
O debate que reuniu governos federal e estaduais e sociedade civil resultou na Carta de Guanabara, documento que apresenta as demandas e propostas da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso, uma iniciativa do Governo Federal – entre os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e Turismo – que articula as instâncias de governança com estados e municípios para a concretização de trilhas de longo curso no país, com ênfase no fortalecimento das unidades de conservação a partir de roteiros integrados que favoreçam a biodiversidade.
Entre as principais demandas da carta está a criação de uma política pública com diretrizes, papéis institucionais, investimentos e uma instância de governança participativa, representativa e permanente para a Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade, incluindo as três esferas de governo, a sociedade civil organizada, as comunidades locais, povos tradicionais, academia e iniciativa privada.
A necessidade da criação de mecanismos de financiamento, fomento, alocação de recursos orçamentários, a captação de doações, investimentos não reembolsáveis e fundos de cooperação, que viabilizem ações de implementação e governança das trilhas integradas à Rede Nacional também estão entre as principais demandas apresentadas.
Partindo da premissa de que é preciso conhecer para preservar, a implementação de uma estratégia nacional de Educação Ambiental com foco na conduta consciente durante a visitação de áreas naturais e prática de atividades esportivas e de aventura também foi uma demanda apresentada.
Ainda no âmbito do Congresso, ocorreu o primeiro Seminário Técnico-Científico da Rede Brasileira de Trilhas, realizado com a colaboração do Projeto Pró-Espécies: Todos contra a Extinção do MMA em parceria de 13 estados, implementação do Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio) execução do WWF-Brasil. O seminário debateu dois eixos: conservação e restauração, pois não há como preservar sem que haja compromisso de recuperação de grandes áreas degradadas. Trilhas como corredores ecológicos, perspectivas científicas, e experiências internacionais, impactos sobre a biodiversidade em trilhas, espécies exóticas invasoras e geração de renda em trilhas foram temas discutidos no seminário.
© Acervo ICMBio
Atualmente, mais de dez mil quilômetros de trilhas já foram implementados no Brasil. Destes, 500 km correspondem ao Caminho dos Veadeiros, criado com 500 km de trilhas e estradinhas em sobe-e-desce de serras passando por pequenas comunidades entre Formosa e Cavalcante, em Goiás. No Caminho dos Veadeiros, que tem este nome em referência à região da Chapada dos Veadeiros, uma expedição-piloto foi realizada no mês de julho por Mateus Matos, Guilhermy Maso e Márcio Nascimento, trilheiros voluntários experientes que toparam o desafio para fornecerem informações que serão fundamentais à concretização do trajeto, que quando aberto ao público poderá ser feito a pé ou de bicicleta.
Eles partiram de Formosa, a cerca de 80 km de Brasília, até chegarem em Cavalcante, coletando informações para consolidação do trajeto de caminhada. Dentre as suas tarefas estava a identificação de trechos com necessidade de limpeza e avaliação sobre as distâncias entre os pontos de apoio e de abastecimento de água. Toda a expedição foi monitorada ao vivo por meio de aparelhos de rastreamento por satélite e acompanhada pelos apoiadores da trilha pelas redes sociais.
O analista ambiental do MMA Samuel Schwaida explica a importância do trabalho. “Nosso propósito é mobilizar a sociedade para a conservação do Cerrado a partir do desenvolvimento e consolidação do ecoturismo ao longo do Caminho dos Veadeiros”. O trajeto está alinhado com os objetivos da Rede Trilhas para a promoção de lazer, conservação da natureza e a geração de empregos e renda.
O Brasil está no topo da lista dos países com maior potencial de turismo de natureza do mundo. São centenas de parques de Norte a Sul do país, sendo mais de 70 unidades de conservação federais abertas à visitação. Mas para trilhar esses caminhos de florestas, cachoeiras, montanhas e rios é preciso tomar cuidados que garantam a preservação da biodiversidade encontrada em cada um desses ambientes.
Segundo Schwaida, as pessoas querem conhecer as belezas naturais do Brasil, mas é preciso educá-las para trilhar. Além disso, essa atividade traz oportunidades de emprego e renda com a oferta de serviços de apoio associados no território, desde que sejam bem planejadas. “As pessoas conservam o que conhecem”, enfatiza.
Em Minas Gerais, a trilha de Saint Hilaire de aproximadamente 190 Km cruza o território de nove comunidades tradicionais, mobilizando turistas, romeiros e cavaleiros de todo o Brasil. O início é em Conceição de Mato Dentro e o final em Diamantina. Com o apoio do projeto Pró-Espécies, a trilha foi georreferenciada para ciclistas e cavaleiros e receberá infraestrutura para apoio aos trilheiros durante todo o percurso.
O caminho leva o nome do naturalista francês, August Saint Hilaire, que esteve no Brasil entre 1816 e 1822 e descreveu inúmeras espécies de plantas e coletou milhares de outras espécies no Brasil. Segundo Luciano Amador, presidente do Instituto Saint Hilaire, a trilha tem importância ambiental, cultural e religiosa e atrairá um número ainda maior de trilheiros com todas as melhorias que serão feitas com o apoio do Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas do Espinhaço Mineiro.
Conduta consciente de um trilheiro
Planejamento – Informe-se sobre regras locais, clima, dificuldade da trilha, condições de descarte de lixo, viaje em grupos pequenos e escolha atividades compatíveis com seu condicionamento físico e experiência.
Segurança – Não se arrisque, deixe pessoas informadas sobre seu roteiro. Aprenda primeiros socorros. Previna-se com roupas adequadas e alimento suficiente. Utilize serviços de guias. Mantenha-se nas trilhas. Obedeça às orientações para acampamentos.
Natureza – Aprenda e pratique técnicas de mínimo impacto. Não retire plantas. Não use produtos de limpeza em fontes naturais de água. Evite fogueiras. Mantenha distância de animais e não os alimente. Não passeie com animais domésticos em Unidades de Conservação.
Colaboração – Seja cortês com os demais visitantes e com a população local. Apresente-se para trabalhos voluntários. Denuncie crimes ambientais. Compartilhe boas práticas.