Pesquisadores fazem registros inéditos de felino ameaçado de extinção do Brasil

Publicado em 14 de janeiro de 2025
Pesquisadores fazem registros inéditos de felino ameaçado de extinção do Brasil

Expedições do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste localizaram diferentes indivíduos do gato-palheiro-pampeano

Após anos de buscas, pesquisadores gaúchos conseguiram o feito inédito de registrar diferentes indivíduos de um dos felinos mais ameaçados do mundo: o gato-palheiro-pampeano (Leopardus munoai). O resultado representa um avanço significativo, uma vez que, até o ano passado, havia apenas oito registros fotográficos feitos ao longo de dez anos de pesquisas. Dessa vez, foram identificados dois animais em apenas dois meses de buscas. 

A ação foi impulsionada pelo Plano de Ação Territorial de Conservação de Espécies Ameaçadas do Território Campanha Sul e Serra do Sudeste (PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste) que colocou o felino como uma das espécies-alvo, e portanto, como o foco das atividades. O plano integra o projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção e desenvolve medidas para conservar outras 29 espécies da fauna e da flora também ameaçadas de extinção e seus ambientes. 

Até 2020, esse felino era identificado como Leopardus colocolo, que englobava outras espécies. Após uma revisão taxonômica, envolvendo análises morfológicas, genéticas e ecológicas, foi possível reconhecer o gato-palheiro-pampeano ou gato-campeiro (Leopardus munoai)  e outras quatro espécies diferentes. O que se sabe atualmente sobre a espécie é que sua distribuição geográfica é restrita a ecorregião da Savana Uruguaia (formada pelo Pampa Brasileiro, Uruguai e uma pequenina porção da Argentina)  onde fica isolado por barreiras naturais como os rios da Prata e Paraná e a densa Mata Atlântica. 

De acordo com Flávia Tirelli, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Instituto Pró-Carnívoros; e também membro do Grupo de Assessoramento do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, a espécie está em alto risco de extinção e limitada ao habitat, pois necessita de campos nativos que estão sendo suprimidos devido a monocultura, como a soja e a silvicultura. 

“Não sabemos nada sobre a espécie e, antes do PAT, tentamos localizá-los e capturá-los,  instalamos diversas armadilhas, mas era muito difícil. Para se ter uma ideia, nas mesmas expedições, conseguimos 580 registros de outra espécie, o gato-do-mato-grande, mas nada do gato-palheiro. Então começamos a estudar sobre  qual habitat seria o ideal pra ele? Observamos que o mais adequado era justamente nas áreas bem abertas, de campo nativo com pasto alto e solo profundo, justamente as áreas de interesse para a agricultura. Essa ameaça de perda de habitat, juntamente com atropelamentos e mortes por cães domésticos, entre outras, baixo número de indivíduos na natureza e distribuição geográfica restrita fazem com que a espécie esteja ameaçada de extinção”, reforçou.

Com o início das atividades do PAT, foi possível pensar em ações mais efetivas para a proteção do felino. “Nós já tínhamos um registro do gato-palheiro dentro de uma fazenda que fica no território do PAT e decidimos instalar 20 câmeras para monitorar. E pela primeira vez conseguimos fazer cinco registros. Eu trabalho há mais de 20 anos com esses gatos, e existiam  apenas cerca de oito registros fotográficos. Em 2 meses, conseguimos 5 registros de dois ou três indivíduos diferentes, o que já configura uma mini população e depois registramos mais quatro fotos”, celebrou Flávia Tirelli. 

Mitigação de ameaças

Além de conhecer mais sobre a biologia dos animais, o PAT tem uma ação voltada para mitigar os atropelamentos, que é uma das principais causas de mortalidade. “Muitos dos registros que temos desses animais são de atropelados. Quando olhamos o  mapa de distribuição, percebemos que a maior parte dos registros do gato-palheiro-pampeano está em cima de rodovias”, complementou a analista ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (SEMA-RS), Luisa Lokschin, da equipe de coordenação do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste.

Para levantar dados e informações sobre as ocorrências, os pesquisadores monitoraram durante nove meses as principais rodovias que cortam o território do PAT e, no período, foram 169 registros de atropelamentos, sendo um gato-palheiro e outras espécies de mamíferos também ameaçados de extinção como tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). O cruzamento entre as BRs 293 e 153 foi identificado como o mais crítico.   

A construção de passarelas secas nos bueiros preexistentes servindo como  passagens subterrâneas de fauna nas áreas com maior incidência de atropelamentos, cercamento nessas áreas de passagens, e redutores de velocidade estão entre as propostas para reduzir as ocorrências. 

Educação ambiental e atividades de ciência cidadã são pilares importantes do PAT. Para isso, são realizadas campanhas educativas nas escolas e outros espaços comunitários que contam um pouco mais sobre a importância do “gato gaúcho” para envolver a população na conservação da espécie e do Pampa. 

Os proprietários rurais também são fundamentais na preservação dos campos nativos. Os pesquisadores reforçam a importância das práticas de manejo sustentável, como a manutenção de campos nativas, para garantir o habitat desses felinos. 

A estimativa é que existam entre 300 e 600  indivíduos maduros na natureza (Tirelli et al. 2021). Apesar do cenário crítico, a pesquisadora acredita em uma recuperação. “É uma corrida contra o tempo, mas eu tenho esperança de retirá-los dessa classificação de ameaçado. Se protegermos as áreas que tenham pasto nativo, se conseguirmos conscientizar proprietários rurais sobre a importância do manejo sustentável, orientá-los sobre a necessidade de manter cachorros dentro dos galpões para não matarem os gatos, implantarmos as ações para mitigar os atropelamentos, já conseguimos dar uma freada na redução dos indivíduos na natureza”, adiantou Flávia Tirelli. 

Plano de ação

O PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, coordenado pela SEMA-RS, tem o objetivo de melhorar o estado de conservação de 30 espécies ameaçadas (16 espécies da flora e 14 espécies da fauna) e seus ambientes por meio da valorização e promoção de práticas sustentáveis e da participação social. O território abrange 18 municípios e cobre uma área de mais de 36 mil km2. 

O Pró-Espécies, que apoiou a elaboração e apoia a implementação de ações do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, é financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), sendo o WWF-Brasil a agência executora.

O projeto trabalha em conjunto com 12 estados do Brasil (AM, MA, BA, PA, TO, GO, SC, PR, RS, MG, SP, RJ e ES) para desenvolver estratégias de conservação em 24 territórios, totalizando 62 milhões de hectares. Prioriza a integração da União e estados na implementação de políticas públicas, assim como procura alavancar iniciativas para reduzir as ameaças e melhorar o estado de conservação de pelo menos 290 espécies categorizadas como Criticamente em Perigo (CR) e que não contam com nenhum instrumento de conservação. 

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