Brasília foi palco, nesta semana, de um momento de celebração, avaliação e projeção do futuro da conservação da biodiversidade brasileira. O encontro, que reuniu o Comitê Executivo do Projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção composto por representantes dos estados, organizações parceiras e instituições federais, marcou a reunião de encerramento de um ciclo repleto de conquistas, superações e aprendizados.
Durante o evento, os participantes compartilharam experiências acumuladas ao longo de anos de execução do projeto, apontando desafios enfrentados, como a pandemia da COVID-19, e ressaltando o legado deixado por essa iniciativa inovadora e descentralizada. A descentralização, aliás, foi um dos principais pilares de sucesso do Pró-Espécies ao fortalecer a atuação direta dos estados, o projeto garantiu capilaridade e enraizou a agenda da biodiversidade em territórios diversos e, muitas vezes, pouco contemplados por políticas públicas.
A Secretária Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Rita de Cássia, destacou a importância de dar continuidade às ações iniciadas pelo projeto. “O Pró-Espécies está chegando a uma conclusão de ciclo, mas certamente isso não deve ser visto como um fim. Precisamos construir novos mecanismos, novas parcerias e manter viva a articulação entre os atores envolvidos”, afirmou. Ela também sublinhou o papel da comunicação no projeto e defendeu a preservação e integração do site do Pró-Espécies ao portal do MMA, como legado e referência para futuras ações.
Já Bráulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do MMA, reforçou o valor da cooperação federativa como diferencial do Pró-Espécies. “A forma de implementação em parceria com os estados foi inovadora e muito efetiva. A atuação dos estados precisa ser mantida e ampliada”, afirmou. Ele anunciou ainda avanços importantes na conservação da biodiversidade brasileira, como o acordo para publicação do decreto da nova Estratégia e Plano de Ação Nacional para a Biodiversidade (EPANB), além de iniciativas futuras de monitoramento e financiamento da agenda de biodiversidade, com apoio de instituições como IPEA, IBGE e Ministério da Fazenda.
Em tom emocionado, a representante do WWF-Brasil, Anna Carolina Lins, coordenadora operacional do Pró-Espécies, celebrou os resultados e a trajetória de resistência do projeto. “Chegar ao fim deste ciclo é quase inacreditável, principalmente depois de tantas dificuldades que enfrentamos. O que manteve o projeto vivo foi a capilaridade, a força dos territórios. Foi essa construção coletiva, entre estados, ICMBio, Ibama, Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), sociedade civil e comunidades locais que fez tudo acontecer”, destacou. Carolina também apontou caminhos para o futuro: “Agora, é hora de pensar em expandir, trazer municípios, e continuar fortalecendo o cuidado com a nossa biodiversidade em todos os níveis.” A efetiva participação dos estados para o sucesso do projeto também foi destacada pelo coordenador da agencia GEF no FUNBIO na reunião, Fábio Leite.
Nas falas dos participantes durante o encontro, um ponto comum: os frutos plantados ao longo dos últimos anos deixam um legado estruturante e transformador para o país — tanto em termos técnicos quanto de políticas públicas. Um dos maiores avanços promovidos pelo projeto foi a consolidação da agenda de espécies exóticas invasoras, que até então carecia de financiamento e estrutura institucional.
Com o apoio do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), foi possível desenvolver a Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, estruturar um plano de implementação, promover o monitoramento, atualizar listas oficiais e fortalecer ações como prevenção, detecção precoce e resposta rápida — ações que hoje estão incorporadas na rotina de diversas unidades de conservação federais. Ferramentas como o protocolo de avaliação de risco para importação, elaborado em parceria com o IBAMA, tornaram-se diretrizes nacionais alinhadas às recomendações da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
Outra conquista expressiva foi a valorização da avaliação do risco de extinção de espécies, com a consolidação e expansão do Sistema Salve, que passou a reunir e organizar dados essenciais para orientar políticas de conservação. Esse avanço permitiu, por exemplo, o retorno de iniciativas de avaliação em nível estadual — com estados como o Maranhão publicando listas atualizadas —, algo que há anos estava estagnado. Além disso, a tradução e adaptação de materiais internacionais da UICN para o português, conduzidas em parceria com o Jardim Botânico e o Centro de Sobrevivência de Espécies, ampliaram o acesso a treinamentos e ferramentas por técnicos brasileiros.
No eixo da integração com políticas públicas, o Pró-Espécies também teve impacto relevante. O projeto colaborou com ações de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), priorizando áreas sensíveis para a biodiversidade, e fomentou o diálogo para a retomada de políticas como o Bolsa Verde, além de apoiar estratégias de conectividade entre territórios conservados. Isso para citar alguns dos vários legados.

Mariana Gutiérrez / WWF-Brasil
Trilha no Caminho dos Veadeiros
A reunião do Comitê Executivo do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção teve um capítulo especial nesta semana, com uma imersão na natureza do Cerrado. Os participantes foram convidados a percorrer um trecho do Caminho dos Veadeiros, em São João d’ Aliança (GO), vivenciando na prática a integração entre conservação da biodiversidade, fortalecimento comunitário e turismo de natureza.
O passeio foi mais do que uma atividade de campo. Serviu como oportunidade para que os membros do comitê conhecessem de perto o trabalho de implementação da trilha, desenvolvido em articulação com a comunidade local e em parceria com o Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção Veredas Goyaz-Geraes (PAT Veredas Goyaz-Geraes) . Pela manhã, os participantes puderam visitar cachoeiras da região e, à tarde, o grupo se reuniu para conversar sobre a Rede Nacional de Trilhas, a concepção estratégica do Caminho dos Veadeiros e as ações de conservação realizadas no território.
Durante a caminhada, o grupo passou por uma área de campo nativo de grande importância ecológica. Foi ali que as conversas se aprofundaram sobre os próximos passos para a trilha e o futuro da conservação em São João d’ Aliança. Representantes da comunidade local, parceiros desde o início do projeto, compartilharam relatos sobre o impacto positivo da trilha para o território, reforçando o vínculo entre as ações ambientais e o desenvolvimento sustentável da região.
A experiência no Caminho dos Veadeiros foi um exemplo vivo do que o Pró-Espécies defende: conservar a biodiversidade passa necessariamente por envolver os territórios, reconhecer saberes locais e construir soluções conjuntas. Uma forma simbólica e inspiradora de encerrar um ciclo e abrir caminhos para o futuro.
Ao fim do encontro de três dias do grupo, o sentimento coletivo era de orgulho, mas também de compromisso: a missão de proteger as espécies ameaçadas de extinção no Brasil continua. E ela é urgente. O que se construiu até aqui se torna a base sólida para os próximos passos — mais conectados, mais locais, mais resilientes.
Apesar dos obstáculos — inclusive os trazidos por um período político adverso recente no Brasil e a crise sanitária global —, o Pró-Espécies seguiu firme, provando que é possível, sim, fazer política pública de conservação com solidez técnica, participação ampla e resultados concretos.