Expedição de captura do surubim-do-paraíba, espécie ameaçada de extinção e alvo do PAN Paraíba do Sul

Publicado em 26 de abril de 2021
Expedição de captura do surubim-do-paraíba, espécie ameaçada de extinção e alvo do PAN Paraíba do Sul Créditos: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha). Surubim-do-paraíba (Steindachneridion parahybae).

Por Guilherme Souza e Mariana Moraes

Entre os dias 13 e 20 de março de 2021 aconteceu a expedição ao rio Grande, no município de Trajano Moraes (RJ) para a captura de indivíduos do surubim-do-paraíba Steindachneridion parahybae. A espécie está ameaçada de extinção na categoria Em Perigo (EN) (Portaria MMA nº 445/2014) e é contemplada no Plano de Ação para a Conservação de Espécies Aquáticas Ameaçadas de Extinção da Bacia do Rio Paraíba do Sul (PAN Paraíba do Sul) coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A expedição teve como objetivo a captura de exemplares do surubim-do-paraíba para composição do banco genético ex-situ de espécies-alvo de peixes ameaçados de extinção, mantido pelo Projeto Piabanha, em colaboração com o CEPTA do ICMBio e a Universidade de Mogi das Cruzes, para o restabelecimento de populações no ambiente natural, a partir de reintroduções licenciadas pelo Ibama e monitoradas pela equipe do PAN Paraíba do Sul.

A equipe foi composta pelos integrantes Guilherme Souza do Projeto Piabanha e membro do Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) do PAN Paraíba do Sul; Marcelo Fernandes da Silva, pescador científico; Marcelo Martins Fonseca, colaborador local; Márcio Carvalho de Medeiros Corrêa, colaborador local; e Carlos Eduardo Bueno, colaborador de campo; sendo financiada com recursos do Projeto Pró-Espécies: Todos contra a Extinção, com expedição autorizada pelo SISBIO (Autorização n° 77883-1) e coordenada pelo CEPTA do ICMBio.

O surubim-do-paraíba é um bagre de grande porte, atingindo cerca de 60 centímetros de comprimento padrão, e endêmico da bacia do rio Paraíba do Sul. Sua biologia é pouco conhecida e a quase ausência de literatura e observação dentro do cenário científico não desmerece sua história e expressividade. O surubim possui o corpo achatado, com o dorso escuro marcado por muitas manchas pequenas e alongadas e tem hábitos noturnos (Polaz et al., 2011). Suas populações são pequenas e distribuídas em pouquíssimos pontos da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul.

Surubim-do-paraíba (Steindachneridion parahybae). Crédito: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha)

A população de surubins prospectada está localizada no trecho de vazão reduzida, a montante da área de geração da PCH Santa Rosa II, com fragmentos de mata ciliar, em bom estado de conservação. O leito é constituído por areia e cascalho, e a maior parte formada por rochas do tipo gnaisse. A geomorfologia do leito é peculiar e possui um elevado número de “marmitas” de diversos tamanhos, tanto dentro quanto fora da água, as quais são originadas pelo movimento turbilhonar (redemoinhos) associadas a material abrasivo de maior dureza.  São nessas ou ao redor dessas marmitas, que os surubins-do-paraíba se abrigam demonstrando – possivelmente – uma importante interação com esse tipo de habitat.

Trecho prospectado do rio Grande, apresentando as “marmitas”, no município de Trajano Moraes, RJ, bacia do rio Paraíba do Sul. Crédito: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha)

Os exemplares foram capturados durante o período noturno com redes de emalhar padronizadas de 10 metros de comprimento x 1.5 metros de altura. Foram capturados, ao todo, 16 espécimes de surubins, porém, três deles infelizmente morreram presos à rede-de-emalhe e um foi predado por uma lontra.

Crédito: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha)

Como fauna acompanhante, foram coletadas as espécies piau-branco (Megaleporinus conirostris), piau-vermelho (Hypomasticus copelandi), caximbau ou acari (Hypostomus affinis), cascudo lageiro (Harttia sp.), acará (Geophagus brasiliensis) e a ameaçada de extinção pirapitinga-do-sul (Brycon opalinus), outra espécie alvo do PAN Paraíba do Sul, juntamente com o surubim.

Os surubins-do-paraíba foram mantidos vivos, seguindo os protocolos de oxigenação e qualidade da água, para se evitar a proliferação de fungos e bactérias e assegurar o bem-estar animal. Posteriormente, os 12 exemplares foram encaminhados ao banco genético vivo, em Itaocara, RJ, sede do Projeto Piabanha (Figura 4).

Recepção e soltura dos peixes nos tanques-circulares do Projeto Piabanha Centro Socioambiental. Crédito: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha)

Após a quarentena, os surubins serão manejados, dos quais serão coletadas uma pequena amostra de tecido (fragmento da nadadeira caudal), após anestesia, e armazenada em tubo apropriado (Ependorff) contendo álcool absoluto. Em seguida, as amostras de tecido serão enviadas para o Laboratório de Genética e Organismos Aquáticos e Aquicultura da Universidade de Mogi das Cruzes, para futuro trabalho de sequenciamento genético. Além disso, um microchip (transponder) será inserido na região dorsal de cada espécime, para a identificação dos indivíduos.

É importante ressaltar que espécimes dessa população de surubim-do-paraíba ainda não haviam sido amostradas pelo PAN Paraíba do Sul. Existe a possibilidade de que a estruturação genética dessa população seja diferente das demais já mantidas em cativeiro.

Trecho prospectado do rio Grande, apresentando as “marmitas”, no município de Trajano Moraes, RJ, bacia do rio Paraíba do Sul. Crédito: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha)

Como fatores de impactos, merecem destaque a pesca amadora e o empreendimento hidrelétrico local. A pesca amadora, em sua maioria de subsistência, dá-se através de tarrafas nas margens do rio Grande, durante a noite, onde os pescadores capturam em maior abundância cascudos lajeiros (Harttia sp.). A pesca de anzol, subaquática e de rede-de-emalhar também ocorrem, contudo em menor quantidade. A captura do surubim-do-paraíba é baixa. 

Através de conversas com moradores locais, foi possível constatar que nem todos sabem distinguir o surubim dos outros bagres, como por exemplo os mandis e jundiás.  No entanto, existem aqueles que detêm o conhecimento da arte da pesca dessa espécie e seguem a antigo saber local. Segundo alguns moradores locais, no passado eram pescados surubins-do-paraíba com mais de 8 kg. A Figura 5 mostra um pescador segurando um exemplar de surubim-do-paraíba com mais de 5 kg, em uma fotografia tirada há 60 anos!

Pescador da localidade Ponte Cassiano, rio Grande, segurando um surubim-do-paraíba, com mais de 5 kg, pescado na década de 60. Crédito: Guilherme Souza (acervo do Projeto Piabanha)

Com relação ao empreendimento hidrelétrico, o trecho amostrado fica na vazão reduzida, ou seja, a montante do canal de fuga da casa de força. Apesar do número de captura ter sido expressivo, a pequena vazão disponibilizada pelo empreendimento no período da expedição contribuiu para que grande parte do leito estivesse seco.

Apesar dos supostos impactos, o trecho estudado parece manter uma população sustentável de surubim-do-paraíba, pois foram capturados indivíduos de diversas classes de comprimento abrangendo juvenis e adultos. Entretanto, considerando que o surubim-do-paraíba é habitat-dependente e foi encontrado somente em locais com muitas pedras submersas e “marmitas”, com cachoeiras intercaladas por poções e remansos, a baixa vazão pode ser um agente negativo para a perpetuação dessa população em longo prazo.

A fim de se ter um melhor conhecimento sobre essa espécie, novas prospecções a montante e a jusante devem ser feitas no futuro, assim como aprofundar os estudos da história de vida dos surubins nesta localidade, determinando assim as áreas de reprodução e berçário. Além disso, é necessário instituir um estudo de vazão ecológica, com o intuito de se determinar a demanda necessária de água para assegurar a manutenção e conservação das populações dessas duas espécies ameaçadas de extinção.

Como ações futuras, podemos citar a articulação junto à PCH Santa Rosa II com o objetivo de desenvolver projetos de conservação in situ dessa população recém-descoberta do surubim-do-paraíba, que precisa ser protegida com urgência.

REFERÊNCIA

POLAZ, C.N.M., BATAUS, Y.L.S., DESBIEZ, A. & AMP; REIS, M.L. (orgs.) 2011.  Plano de ação nacional para a conservação das espécies aquáticas ameaçadas de extinção da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, Brasília, 140 p. Revisão e contato: Carla Polaz ([email protected])

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