Por Guilherme Souza e Mariana Moraes
Entre os dias 13 e 20 de março de 2021 aconteceu a expedição ao rio Grande, no município de Trajano Moraes (RJ) para a captura de indivíduos do surubim-do-paraíba Steindachneridion parahybae. A espécie está ameaçada de extinção na categoria Em Perigo (EN) (Portaria MMA nº 445/2014) e é contemplada no Plano de Ação para a Conservação de Espécies Aquáticas Ameaçadas de Extinção da Bacia do Rio Paraíba do Sul (PAN Paraíba do Sul) coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A expedição teve como objetivo a captura de exemplares do surubim-do-paraíba para composição do banco genético ex-situ de espécies-alvo de peixes ameaçados de extinção, mantido pelo Projeto Piabanha, em colaboração com o CEPTA do ICMBio e a Universidade de Mogi das Cruzes, para o restabelecimento de populações no ambiente natural, a partir de reintroduções licenciadas pelo Ibama e monitoradas pela equipe do PAN Paraíba do Sul.
A equipe foi composta pelos integrantes Guilherme Souza do Projeto Piabanha e membro do Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) do PAN Paraíba do Sul; Marcelo Fernandes da Silva, pescador científico; Marcelo Martins Fonseca, colaborador local; Márcio Carvalho de Medeiros Corrêa, colaborador local; e Carlos Eduardo Bueno, colaborador de campo; sendo financiada com recursos do Projeto Pró-Espécies: Todos contra a Extinção, com expedição autorizada pelo SISBIO (Autorização n° 77883-1) e coordenada pelo CEPTA do ICMBio.
O surubim-do-paraíba é um bagre de grande porte, atingindo cerca de 60 centímetros de comprimento padrão, e endêmico da bacia do rio Paraíba do Sul. Sua biologia é pouco conhecida e a quase ausência de literatura e observação dentro do cenário científico não desmerece sua história e expressividade. O surubim possui o corpo achatado, com o dorso escuro marcado por muitas manchas pequenas e alongadas e tem hábitos noturnos (Polaz et al., 2011). Suas populações são pequenas e distribuídas em pouquíssimos pontos da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul.
A população de surubins prospectada está localizada no trecho de vazão reduzida, a montante da área de geração da PCH Santa Rosa II, com fragmentos de mata ciliar, em bom estado de conservação. O leito é constituído por areia e cascalho, e a maior parte formada por rochas do tipo gnaisse. A geomorfologia do leito é peculiar e possui um elevado número de “marmitas” de diversos tamanhos, tanto dentro quanto fora da água, as quais são originadas pelo movimento turbilhonar (redemoinhos) associadas a material abrasivo de maior dureza. São nessas ou ao redor dessas marmitas, que os surubins-do-paraíba se abrigam demonstrando – possivelmente – uma importante interação com esse tipo de habitat.
Os exemplares foram capturados durante o período noturno com redes de emalhar padronizadas de 10 metros de comprimento x 1.5 metros de altura. Foram capturados, ao todo, 16 espécimes de surubins, porém, três deles infelizmente morreram presos à rede-de-emalhe e um foi predado por uma lontra.
Como fauna acompanhante, foram coletadas as espécies piau-branco (Megaleporinus conirostris), piau-vermelho (Hypomasticus copelandi), caximbau ou acari (Hypostomus affinis), cascudo lageiro (Harttia sp.), acará (Geophagus brasiliensis) e a ameaçada de extinção pirapitinga-do-sul (Brycon opalinus), outra espécie alvo do PAN Paraíba do Sul, juntamente com o surubim.
Os surubins-do-paraíba foram mantidos vivos, seguindo os protocolos de oxigenação e qualidade da água, para se evitar a proliferação de fungos e bactérias e assegurar o bem-estar animal. Posteriormente, os 12 exemplares foram encaminhados ao banco genético vivo, em Itaocara, RJ, sede do Projeto Piabanha (Figura 4).
Após a quarentena, os surubins serão manejados, dos quais serão coletadas uma pequena amostra de tecido (fragmento da nadadeira caudal), após anestesia, e armazenada em tubo apropriado (Ependorff) contendo álcool absoluto. Em seguida, as amostras de tecido serão enviadas para o Laboratório de Genética e Organismos Aquáticos e Aquicultura da Universidade de Mogi das Cruzes, para futuro trabalho de sequenciamento genético. Além disso, um microchip (transponder) será inserido na região dorsal de cada espécime, para a identificação dos indivíduos.
É importante ressaltar que espécimes dessa população de surubim-do-paraíba ainda não haviam sido amostradas pelo PAN Paraíba do Sul. Existe a possibilidade de que a estruturação genética dessa população seja diferente das demais já mantidas em cativeiro.
Como fatores de impactos, merecem destaque a pesca amadora e o empreendimento hidrelétrico local. A pesca amadora, em sua maioria de subsistência, dá-se através de tarrafas nas margens do rio Grande, durante a noite, onde os pescadores capturam em maior abundância cascudos lajeiros (Harttia sp.). A pesca de anzol, subaquática e de rede-de-emalhar também ocorrem, contudo em menor quantidade. A captura do surubim-do-paraíba é baixa.
Através de conversas com moradores locais, foi possível constatar que nem todos sabem distinguir o surubim dos outros bagres, como por exemplo os mandis e jundiás. No entanto, existem aqueles que detêm o conhecimento da arte da pesca dessa espécie e seguem a antigo saber local. Segundo alguns moradores locais, no passado eram pescados surubins-do-paraíba com mais de 8 kg. A Figura 5 mostra um pescador segurando um exemplar de surubim-do-paraíba com mais de 5 kg, em uma fotografia tirada há 60 anos!
Com relação ao empreendimento hidrelétrico, o trecho amostrado fica na vazão reduzida, ou seja, a montante do canal de fuga da casa de força. Apesar do número de captura ter sido expressivo, a pequena vazão disponibilizada pelo empreendimento no período da expedição contribuiu para que grande parte do leito estivesse seco.
Apesar dos supostos impactos, o trecho estudado parece manter uma população sustentável de surubim-do-paraíba, pois foram capturados indivíduos de diversas classes de comprimento abrangendo juvenis e adultos. Entretanto, considerando que o surubim-do-paraíba é habitat-dependente e foi encontrado somente em locais com muitas pedras submersas e “marmitas”, com cachoeiras intercaladas por poções e remansos, a baixa vazão pode ser um agente negativo para a perpetuação dessa população em longo prazo.
A fim de se ter um melhor conhecimento sobre essa espécie, novas prospecções a montante e a jusante devem ser feitas no futuro, assim como aprofundar os estudos da história de vida dos surubins nesta localidade, determinando assim as áreas de reprodução e berçário. Além disso, é necessário instituir um estudo de vazão ecológica, com o intuito de se determinar a demanda necessária de água para assegurar a manutenção e conservação das populações dessas duas espécies ameaçadas de extinção.
Como ações futuras, podemos citar a articulação junto à PCH Santa Rosa II com o objetivo de desenvolver projetos de conservação in situ dessa população recém-descoberta do surubim-do-paraíba, que precisa ser protegida com urgência.
REFERÊNCIA
POLAZ, C.N.M., BATAUS, Y.L.S., DESBIEZ, A. & AMP; REIS, M.L. (orgs.) 2011. Plano de ação nacional para a conservação das espécies aquáticas ameaçadas de extinção da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, Brasília, 140 p. Revisão e contato: Carla Polaz ([email protected])