As trilhas que conservam

Publicado em 28 de abril de 2025
As trilhas que conservam Créditos: Acervo Trilha Transespinhaço

Caminhos na natureza estão impulsionando a proteção ambiental e gerando renda para comunidades

Muito além da aventura ou da contemplação da paisagem, as trilhas de longo curso têm se revelado ferramentas poderosas de conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável no Brasil. É o que mostra a experiência do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção, que, nos últimos anos, apoiou a criação, estruturação e capacitação de diversas trilhas de longo curso no país — conectando territórios, fortalecendo a governança local e até mesmo promovendo ciência.

“O apoio às trilhas no âmbito do Projeto Pró-Espécies foi um reconhecimento de que elas podem ser ferramentas de conservação”, resume Samuel Schwaida, analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). O apoio a trilhas como a Transmantiqueira, Caminho dos Veadeiros, Transespinhaço, Caminho das Araucárias e Caminho de Saint Hilaire trouxe avanços concretos em planejamento estratégico, fortalecimento institucional, sinalização e sensibilização comunitária.

Em portaria publicada na última terça-feira (22) pelo MMA, a Trilha Transespinhaço, situada no Estado de Minas Gerais, passa a ser reconhecida como integrante da Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade (RedeTrilhas). A portaria é um reconhecimento da trilha de longo curso como corredor de conexão entre patrimônios naturais e culturais do Brasil. Além da visibilidade e divulgação, ela pode viabilizar maior apoio institucional e financeiro por parte de órgãos públicos e da sociedade civil. 

“Trilhas não se resumem apenas a um caminho no meio da mata. É preciso entender que a recreação ao ar livre também é um serviço ecossistêmico e que é uma importante aliada para a conservação. A proposta é ir além da trilha como acesso e integrá-la à estratégia de conservação de espécies e da paisagem”, explica Samuel. 

Um dos grandes marcos recentes foi a realização do Primeiro e Segundo Seminário Técnico-Científico da Rede Brasileira de Trilhas, realizados em 2023 e 2024 paralelamente ao Congresso Brasileiro de Trilhas. O evento, apoiado pelo projeto Pró-Espécies, reuniu especialistas, pesquisadores e gestores para discutir como transformar trilhas em verdadeiras ferramentas de conservação e de conectividade da paisagem.

Para funcionar como um corredor ecológico, uma trilha precisa mais do que um traçado: deve promover a manutenção dos ambientes naturais por onde passa, de forma a possibilitar a movimentação e trânsito genético entre populações da fauna e da flora de duas ou mais áreas protegidas. Algumas trilhas, como o Caminho dos Veadeiros, têm sido desenhadas com essa função. Mas é preciso entender que trilha e corredor não são necessariamente sinônimos. 

Pensando nisso, o Pró-Espécies também investiu na capacitação de mais de 60 servidores públicos federais e estaduais, com um curso em ecologia de paisagens. O conteúdo foi transformado em 20 video aulas, já disponíveis no YouTube do Ministério do Meio Ambiente, e uma apostila prática está em fase final de elaboração.

A ideia é que qualquer gestor ambiental, de qualquer esfera, entenda como planejar e implementar um corredor ecológico. O curso nasceu por causa das trilhas, mas expandiu para atender todos que atuam com conservação.

 

De trilha em trilha, nasce uma rede

Além de eventos e cursos, o Pró-Espécies direcionou esforços para apoiar diretamente trilhas que estavam inseridas em territórios de Planos de Ação Territoriais para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (PAT). Cada uma com seu estágio e necessidade: enquanto a Transespinhaço e Caminho das Araucárias receberam apoio para estruturação de governança, o Caminho dos Veadeiros avançou na sinalização, mobilização comunitária e até em expedições científicas para levantamento de flora e fauna em parceria com os Jardins Botânicos do Rio e de Brasília (JBB) e com a Universidade Federal de Goiás (UFG).

As trilhas permitem acessar territórios pouco estudados que, muitas vezes, estão preservados, mas ameaçados. E sem essas expedições, talvez não fosse possível saber quais espécies existem nestes territórios. 

A consolidação da governança também foi uma prioridade. “A gente sempre buscou que as trilhas tivessem uma estrutura institucional forte, com participação da sociedade civil. Isso permite continuidade, captação de recursos, formalização de parcerias e autonomia”, explica. Um exemplo é o Caminho dos Veadeiros, que agora conta com uma associação própria responsável por parte da gestão e sinalização da rota, explica Samuel. 

É possível ver os impactos transformadores das trilhas nos pequenos negócios, nas hospedagens que surgem em vilas remotas, nos restaurantes que aumentam seu movimento. Para citar um exemplo desses impactos, dados do Caminho da Fé, em São Paulo e Minas Gerais, apontam um impacto econômico de mais de R$30 milhões em 2023, com um gasto médio de R$1.320 por peregrino. Mais de 23 mil pessoas utilizaram a trilha naquele ano.

O Caminho de Cora Coralina, em Goiás, é outro exemplo. Desde seu lançamento em 2018, já foram criados mais de 30 pontos de apoio ao longo da rota. Tinha cidade que não tinha nenhuma hospedagem, e agora tem hotel por causa da trilha.

As trilhas são a base da recreação em ambientes naturais. É por elas que a gente chega à cachoeira, ao mirante, à floresta. E quando a comunidade local se envolve e passa a ver valor naquele território, ela se torna sua maior defensora.

Crédito: Acervo Trilha Transespinhaço

 

Entre o impacto e a conservação

Apesar dos benefícios, ainda há resistência. Muitos temem que o uso público traga impactos ambientais negativos. E de fato, isso pode acontecer — mas há formas de mitigar. Segundo Samuel, é possível minimizar e monitorar impactos, desde o momento da concepção do traçado até sua implementação, monitoramento e manejo. Ele enfatiza, no entanto, que se você esperar o plano perfeito para implementar uma trilha, ela nunca vai sair do papel. O importante é monitorar, adaptar e melhorar constantemente. 

O turismo sustentável no Brasil possui um enorme potencial, especialmente por conta da rica biodiversidade e paisagens. Ao promover práticas responsáveis que respeitam os limites ambientais e valorizam as comunidades locais, esse modelo de turismo não apenas impulsiona a economia regional, como também se torna uma ferramenta estratégica para a conservação da natureza. Ele incentiva a proteção dos habitats naturais ao transformar a biodiversidade em um ativo valorizado, gerando renda por meio da preservação em vez da exploração predatória. As trilhas são caminhos que ligam paisagens, pessoas, histórias e espécies. E, cada vez mais, se consolidam como um dos eixos da conservação da biodiversidade e da geração de renda sustentável no Brasil.

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