Pesquisadores(as) do Jardim Botânico de Brasília (JBB) realizaram, entre 16 e 20 de setembro de 2024, uma expedição científica com foco na coleta de material botânico e no mapeamento de populações de plantas ameaçadas de extinção no Cerrado de Goiás. A ação integra o Plano de Ação Nacional para a Conservação da Flora Ameaçada de Extinção da Bacia do Alto Tocantins (PAN Bacia do Alto Tocantins) e foi viabilizada pelo Centro Nacional de Conservação da Flora do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (CNCFlora/JBRJ) com os recursos do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção. Esta foi a terceira expedição realizada no âmbito desta ação do plano.
Reconhecido como o “berço das águas”, o Cerrado abriga uma alta biodiversidade e número elevado de espécies endêmicas, entretanto, é também um dos biomas mais ameaçados do Brasil. A pressão causada por atividades agropecuárias, empreendimentos de mineração e queimadas resulta na perda de habitats e espécies, muitas vezes antes mesmo de serem conhecidas. Este contexto reforça a importância de iniciativas como essas expedições, fundamentais para a catalogar, documentar e conservar as espécies de plantas ameaçadas do bioma.
A equipe responsável pela expedição foi composta por Priscila Oliveira Rosa, Maria Rosa Vargas Zanatta (ambas colaboradoras do PAN Bacia do Alto Tocantins), Dayse de Melo Silva e André Cardoso dos Santos. O grupo percorreu a rota Brasília (DF), Planaltina de Goiás, Água Fria de Goiás, Niquelândia, Cocalzinho de Goiás, Pirenópolis e Vila Propício (Goiás), buscando identificar e coletar as espécies-alvo de conservação do PAN Bacia do Alto Tocantins.
Durante a jornada, desafios significativos foram enfrentados. Em Vila Propício, áreas de ocorrência de espécies-alvo do PAN estavam em processo de exploração para extração de calcário, onde as atividades de detonação por dinamite ameaçavam a vegetação local. Alguns indivíduos de plantas foram resgatados pela equipe antes da destruição e encaminhados para cultivo no JBB, evitando sua perda total. A equipe também constatou o impacto de queimadas severas durante a estação seca prolongada, que se destacou como uma das mais intensas nos últimos anos. Outra dificuldade foi a negativa de acesso a áreas privadas ou pertencentes a grandes empresas, o que limitou a catalogação das espécies-alvo do PAN Bacia do Alto Tocantins e impossibilitou registros atualizados de coletas históricas.
Mesmo diante das adversidades, a expedição foi bem-sucedida. Foram coletados 130 espécimes botânicos, incluindo oito espécies-alvo do PAN. As amostras foram incorporadas à coleção científica do Herbário Ezechias Paulo Heringer (HEPH) e duplicatas enviadas ao Herbário RB do JBRJ. Além disso, 11 plantas vivas (10 bromélias e um cacto) foram destinadas às Coleções de Plantas Vivas do JBB, garantindo a continuidade dos estudos e ações de conservação.
A diretora de Vegetação e Flora do JBB e integrante do Grupo de Assessoramento Técnico do PAN, Priscila Oliveira Rosa, comentou sobre a severidade da seca enfrentada: “Foi uma estação seca muito severa e prolongada, e sabe-se que as plantas esperam a chuva para poderem formar os frutos, mas elas estavam esturricadas, sem condições de florescer ou frutificar”. Ela também destacou a relevância da expedição neste período, pois permitiu observar mudanças climáticas incomuns para esta época do ano e obter informações relevantes para a conservação.
Os resultados obtidos reforçam a importância de estudar o Cerrado em diferentes períodos do ano. “Para conhecer o Cerrado, é importante inventariar sua flora em todas as épocas do ano. Mesmo no auge da estação seca, há plantas florindo e cumprindo seu papel de fornecer recursos para o funcionamento do ecossistema. Melhorar o conhecimento do bioma é primordial para sua preservação”, concluiu Priscila.
Os dados e experiências obtidos na expedição serão fundamentais para embasar ações futuras no âmbito do PAN Bacia do Alto Tocantins, fortalecendo esforços de conservação do Cerrado e de sua flora ameaçada.
PAN Bacia do Alto Tocantins
O PAN Bacia do Alto Tocantins foi oficializado na Portaria JBRJ nº 15, de 6 de junho de 2023 e tem vigência até 2028. O objetivo é ampliar, em 5 anos, as medidas de conservação das espécies-alvo, dos ambientes e a manutenção de serviços ecossistêmicos, com envolvimento de toda a sociedade.
O plano estabelece 24 ações de conservação, divididas em quatro objetivos específicos, que abrangem temas como Pesquisa e Monitoramento, Capacitação e Comunicação, Manejo e Conservação, e Políticas Públicas, com foco em 98 espécies da flora, sendo 14 classificadas na categoria “Criticamente em Perigo” (CR), 58 na categoria “Em Perigo” (EN) e 26 na categoria “Vulnerável” (VU). Também são contempladas 29 espécies classificadas na categoria “Quase Ameaçada” (NT) e 15 na categoria “Dados Insuficientes” (DD). O território do PAN abrange parte do estado de Goiás e do Distrito Federal.
A coordenação do PAN Bacia do Alto Tocantins é realizada pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), por meio da Coordenação de Projetos de Estratégias para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (COESC) do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora). O monitoramento e acompanhamento do plano é feito pelo Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) instituído pela Portaria de Pessoal JBRJ nº 66, de 6 de junho de 2023. Já a articulação e a execução das ações de conservação são realizadas por mais de 100 colaboradores que representam instituições de distintos setores da sociedade.