Braulio Dias avalia avanços e desafios da agenda de biodiversidade

Publicado em 6 de junho de 2023
Braulio Dias avalia avanços e desafios da agenda de biodiversidade Créditos: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr. Braulio Dias.

Em comemoração ao Dia Mundial da Biodiversidade (22 de maio), o Portal do Pró-Espécies entrevistou um dos principais especialistas no tema não apenas no Brasil, mas no mundo, Braulio Dias, diretor indicado de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA). De volta à Esplanada, Dias analisa os avanços e desafios da agenda de biodiversidade e fala sobre o futuro do projeto Pró-Espécies. Braulio é biólogo, doutor em zoologia e foi o único brasileiro a ocupar o cargo de Secretário Executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).

Portal Pró-Espécies- No mês de maio celebramos o Dia Mundial da Biodiversidade. Temos o que comemorar?

Braulio Dias- É uma boa pergunta porque nos últimos anos tivemos retrocessos na agenda da biodiversidade e em outras agendas ambientais aqui no Brasil. Mas houve alguns avanços e um deles foi o projeto Pró-Espécies. Estamos trabalhando agora para poder lançar novas unidades de conservação federais. Não foi criada nenhuma no governo passado e essa é uma demanda grande da sociedade. Em âmbito nacional, a COP 15 da Biodiversidade, que ocorreu ano passado em Montreal, aprovou o novo marco global da biodiversidade. É uma agenda muito positiva para nós, com metas de conservação e financeiras bem ambiciosas. Lançamos a consulta pública para atualização da Estratégia e Plano de Ação Nacionais da Biodiversidade (EPANB) que teve a última atualização em 2017 e precisa ser atualizada porque temos novas metas globais.Trata-se de uma consulta online por 90 dias. Estamos utilizando  o mesmo sistema utilizado pela consulta do   PPCDam*. Faremos ainda reuniões de consultas setoriais e regionais com a sociedade civil, com setor privado, com a academia, com lideranças indígenas, órgãos estaduais de meio ambiente e com os ministros A ideia é ter a nova estratégia até o final do ano e isso é um grande motivo para comemorar. 

Portal Pró-Espécies- O Brasil possui a maior biodiversidade do planeta. Estamos cuidando bem desse patrimônio? 

Braulio Dias- Sim e não. O Brasil tem feito um grande esforço de conservação da biodiversidade, principalmente a partir da década de 70, então já são 50 anos de trabalho desde que foi feito o primeiro planejamento de criação de unidades de conservação na Amazônia brasileira. Depois disso, no ano 2000 foi aprovada a Lei do SNUC. O Brasil foi o país que mais criou áreas protegidas no mundo na primeira década deste século. Isso foi um grande feito. Infelizmente, no último governo, não houve criação de Unidades de Conservação Federais, mas no governo Temer, apesar das dificuldades, conseguimos a criação de dois grandes mosaicos de Unidades de Conservação na Zona Econômica Exclusiva Marinha, lá nas regiões em torno do arquipélago de Trindade e Martim Vaz e do arquipélago de São Pedro e São Paulo, duas áreas imensas que juntas significam mais ou menos 25% da área marinha brasileira. Então, foi um aumento significativo. O Brasil alcançou a meta da CDB, a meta de Aichi 11 de proteger pelo menos 17% da sua área continental e na Amazônia temos uma área muito grande protegida. E se a gente considerar as terras indígenas, que a gente considera também como uma área protegida, é praticamente metade da Amazônia. Então, é um esforço muito grande. Claro que no último governo fizeram de tudo para tentar voltar atrás nessa questão das terras indígenas,  agenda retomada pelo governo Lula. Avançamos também com as avaliações para identificar espécies ameaçadas, as chamadas listas vermelhas. Então, temos feito isso regularmente. Havíamos publicado um conjunto de três listas em dezembro de 2014 e em 2021 o ICMBIO e o Jardim Botânico do Rio mandaram propostas de ampliação dessas listas. E o Ministério do Meio Ambiente consultou a Conabio ano passado foi editada uma portaria com a nova lista que reconheceu 1269 espécies da fauna e 3212 espécies da flora como ameaçadas de extinção. Então, apesar dos pesares, algumas coisas avançaram como o Pró-Espécies, a atualização dessas listas de espécies ameaçadas e também avançamos na elaboração de uma nova lista de espécies exóticas invasoras. 

Portal Pró-Espécies-  Diante do novo cenário político, qual o papel o Brasil pode exercer no mundo na conservação da biodiversidade?

Braulio Dias- Nossa expectativa é que o Brasil possa voltar a liderar a agenda global de biodiversidade. Nós somos o número um em biodiversidade, temos muitos especialistas no tema, temos muitos programas e projetos de biodiversidade. Desde 92, o Brasil liderou todas as negociações globais de biodiversidade e a nossa expectativa é que o Brasil volte a exercer essa liderança. O Brasil está de volta à agenda global. O presidente Lula foi muito bem recebido na COP-27 de Clima no Egito, a ministra Marina também esteve lá na COP-27 e foi ainda ao Fórum Econômico Global em Davos,na Suiça. As expectativas são enormes. Está todo mundo de olho na gente. A primeira grande medida que esse governo tomou foi reativar o Fundo da Amazônia e negociar com vários países para receber novas doações. A Alemanha já colocou recursos novos, os Estados Unidos anunciaram que vão colocar recursos, e o Reino Unido também. Outra grande notícia é que foi lançada a nova versão do PPCDAM no dia Mundial Mundial do Meio Ambiente, comemorado dia 05 de junho. E o governo já anunciou que logo em seguida vai desenvolver planos semelhantes para cada um dos demais idiomas brasileiros. Isso também é uma excelente notícia. Houve muito desmatamento no governo passado e isso pode refletir em uma taxa de desmatamento relativamente alta ainda esse ano. Mas já temos notícias de que houve uma redução importante na taxa de desmatamento na Amazônia em abril. A criação do Ministério de Povos Indígenas é um marco inédito e aqui dentro do Ministério do Meio Ambiente, a nova estrutura também dá uma sinalização muito importante. Além da Secretaria de Biodiversidade, Florestas e Direitos dos Animais, temos agora uma Secretaria de Bioeconomia, uma secretaria de Clima e uma Secretária de Combate ao Desmatamento e uma Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais. 

Portal Pró-Espécies- O senhor já disse algumas vezes que o Brasil desconhece boa parte da sua biodiversidade, não mais que 10% das espécies. A que se deve esse desconhecimento? 

Braulio Dias- Primeiro porque nenhum outro país tem tanta biodiversidade como o Brasil. E é um grande desafio conhecer toda essa biodiversidade. Nós conseguimos nesses últimos anos desenvolver catálogos da flora e da fauna do Brasil. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro publicou em 2010 o primeiro catálogo atualizado com toda a flora, incluindo algas e fungos, que vem sendo atualizado anualmente. E transformou isso na Flora do Brasil Online, que é uma fonte maravilhosa de informação para quem quiser consultar. E foi feita a mesma coisa com a parte da fauna, uma iniciativa coordenada pela Sociedade Brasileira de Zoologia. Então, hoje nós temos cerca de 50 mil espécies da flora conhecidas no Brasil pela ciência e temos cerca de 125 mil espécies da fauna conhecidas pela ciência. Então, só aí já dá umas 175 mil espécies. Falta completar o catálogo de micro-organismos, o que deve acontecer agora, proximamente, porque houve um financiamento da FAPERJ, lá do Rio de Janeiro, e também do CNPq para fazer uma consolidação desses catálogos e eles chamam o Catálago da Vida. Será feito um lançamento em breve e a maior lacuna é microorganismo. Há 25 anos atrás, eu contratei uma equipe de pesquisadores do estado de São Paulo para fazer uma avaliação sobre o conhecimento da biodiversidade brasileira. Quanto que a gente conhece e quanto que a gente desconhece? Eles usaram várias metodologias, consultaram muitos especialistas e chegaram à conclusão que o conhecido pela ciência deve representar  menos de 10% de toda a biodiversidade que deve existir no país. Então, qual é o desafio? Primeiro, aumentar o financiamento de pesquisa na biodiversidade. E, principalmente, trabalho de campo. Para se ter uma ideia, a Amazônia, que é  metade do Brasil, a gente conhece muito pouco de sua  biodiversidade . Em termos de flora, por exemplo, temos muito mais espécies de plantas conhecidas no bioma da Mata Atlântica do que no bioma da Amazônia. Só que o bioma da Amazônia é muito maior e deve certamente ter mais espécies, mas não foram ainda descritas pela ciência. Qual a dificuldade? Como se chega nas regiões da Amazônia? Boa parte da Amazônia nunca recebeu a visita de cientistas. E mesmo nos outros biomas que a gente tem um conhecimento maior, a gente sabe que tem deficiências de conhecimento. E o governo passado cortou o financiamento da pesquisa. O financiamento da pesquisa no final do governo passado chegou a menos de um quarto do que era 10 anos antes. Nós vamos ter que recuperar esse investimento, essa tecnologia, treinar mais cientistas jovens, precisamos de mais recursos para bolsa de estudos, de pesquisa, precisamos criar mais instituições de pesquisa, especialmente na Amazônia, no Pantanal, na Caatinga e na parte Norte do bioma Cerrado. Atualmente, o ritmo de descrição de espécies novas pela ciência é um ritmo bastante bom. Em média, a cada dia é descrito uma espécie nova de fauna no Brasil e em média a cada dois dias é descrito uma espécie nova de flora. É bastante coisa, mas nesse ritmo, com essa estimativa de que 90% da nossa biodiversidade ainda não é conhecida pela ciência, vai demorar entre 800 a 1000 anos para a gente descrever toda a biodiversidade brasileira. Não dá para esperar tanto tempo assim porque boa parte das espécies vai desaparecer antes de ser pesquisada. Então precisamos aumentar o investimento em pesquisa e modernizá-las, como por exemplo, usar códigos de barra de DNA. Você pode coletar amostras do campo e saber se você tem em mãos espécies diferentes ou se são as amostras da mesma espécie, mesmo ainda sem ter o nome científico da espécie.

Portal Pró-Espécies- O senhor citou o projeto Pró-Espécies como um dos únicos avanços ambientais recentes. Qual a avaliação desses cinco anos de programa, completados também no mês da biodiversidade?

Braulio Dias- O Brasil tem um número significativo de espécies ameaçadas de extinção. Na lista anterior que tínhamos de 2014, 1.173 espécies de animais ameaçados,  e 2113 espécies de plantas ameaçadas. Desde a primeira década deste século, o Ministério do Ambiente vem trabalhando junto com o ICMBio e com o Centro Nacional de Conservação da Flora no Jardim Botânico do Rio de Janeiro para promover a elaboração e implementação de planos de ação nacionais para proteger essas espécies ameaçadas. Foram elaborados desde 2004, 84 PANS para a fauna cobrindo 75% das espécies de fauna das listas vermelhas de 2014. Então isso já foi um grande esforço feito até então. E claro, antes do governo passado, houve a criação de novas unidades de conservação, que é um dos principais instrumentos para proteger espécies ameaçadas, junto com a elaboração dos planos  de ação para a recuperação dessas espécies. O Pró-Espécies, que participei inicialmente como um dos consultores que ajudou na  elaboração, tomou a  decisão de  trabalhar com as chamadas espécies lacunas, que são  espécies criticamente ameaçadas que não estão ainda protegidas por unidades de conservação e não têm a proteção pelos PANs, planos de ação nacional. Então, a gente elaborou todo um estudo para ver quais seriam essas espécies criticamente ameaçadas, que ainda não contam com proteção de unidades de conservação e com planos de ação. E aí, o desenho do Pró-Espécies, foi fazer um trabalho com parceria com os órgãos estaduais do meio ambiente, para que eles nos ajudassem a estabelecer PATs, que são planos de ação territoriais. A ideia foi identificar áreas territoriais em diferentes estados, que contém um maior número de espécies criticamente ameaçadas, consideradas lacunas, que ainda não se beneficiam de alguma iniciativa de conservação.Hoje trabalha-se com 13 estados, que estão bastante comprometidos com esse esforço. Para um país do tamanho do Brasil é muito bom poder contar com órgão estaduais nos ajudando nas estratégias de conservação. Importante destacar que cada um desses PATs ajuda a conservar várias espécies ameaçadas nessas áreas que foram priorizadas e acabam protegendo outras espécies no território além das criticamente ameaçadas, que são os alvos e específicos. Então o Pró-Espécies traz um benefício ainda maior. 

Portal Pró-Espécies- O projeto acaba em 2023. Existe possibilidade de prorrogação? 

Braulio Dias- A gente vai estender o Pró-Espécies, mas ainda não está batido o martelo por quanto tempo. O ICMBio elaborou uma proposta nova de financiamento internacional para o GEF, que prevê, de certa forma, uma continuidade ao projeto. Temos uma proposta nova, de priorizar territórios, chamado preliminarmente de GEF Territórios. E a ideia é identificar onde que tem maior concentração de espécies ameaçadas que precisam de mais atenção. E a ideia é promover com esse recurso, a criação de unidades de conservação, novas RPPNs,  promover em parceria com outras entidades restauração e vegetação para criar corredores ecológicos. A expectativa é que esse novo projeto seja aprovado agora na reunião do Conselho do GEF, que vai acontecer neste ano em Brasília, pela primeira vez fora de Washington (EUA), quando se pretende aprovar mais de um bilhão de dólares em novos projetos. E dentro disso esperamos ter projetos do MMA e das vinculadas, incluindo esse projeto liderado pelo ICMBio, que tem a participação também do Jardim Botânico do Rio de Janeiro para a parte da flora. Então, esse novo projeto vai ter um valor ainda mais alto do que o projeto Pró-Espécies. A gente espera que, com isso, tenhamos um bom reforço para dar continuidade. Nessa continuidade a gente vai poder expandir para novas espécies e vai trabalhar na  implementação dos PATs, que estão sendo elaborados no âmbito do projeto GEF Pró-Espécies. 

Portal Pró-Espécies- No dia Mundial da Biodiversidade, qual a tarefa de casa para a sociedade? O que cada cidadão pode fazer para contribuir no seu dia a dia? 

Braulio Dias: Tem muita coisa que dá para fazer enquanto indivíduo, enquanto iniciativa de uma comunidade, empresa ou mesma em família. A gente tem que retomar a tradição antiga do Brasil, que era ter pomares, jardins, hortas com hortaliças sendo produzidos nos quintais ao invés de ladrilhar. Quando você planta uma horta ou pomar, você vai ter alimento saudável ao usar aquela biodiversidade e vai contribuir para conservar aquelas espécies. Se você plantar flores no seu jardim, vai ajudar a trazer as abelhas, os polinizadores que estão ameaçados de extinção. É possível fazer mutirão para retirar lixo e plástico de rios, e riachos, de áreas degradadas e ajudar a natureza a se recuperar. Isso pode ser dentro de áreas urbanas, pode ser em áreas da periferia urbana, pode ser no sítio da família. São muitas as possibilidades. Existe ainda a possibilidade de trabalhar como voluntárias em programas do Governo para conservação da biodiversidade, o ICMBio tem programa de voluntariado, para quem quiser trabalhar dentro de uma unidade de conservação e nos órgãos estaduais também têm essas possibilidades de voluntariar. A gente pode contribuir enquanto consumidor. Quanto mais a gente consome, mais a gente destrói a natureza. É uma relação direta. Cada um que quiser, pode ajudar e reduzir o seu consumo. Então, promover o consumo responsável, parar de consumir plástico, parar de descartar lixo em lugares errados, jogando lixo de construção em terrenos baldios na periferia. Isso tudo destrói a biodiversidade, Aí as pessoas vão falar “ah mas eu sozinho não vou fazer diferença nenhuma”  você sozinho não, mas se todo mundo fizer um pouco, isso faz muita diferença.

 

 *Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam)

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